Nova Lei do SAC à vista

Nova Lei do SAC à vista

 

Para realizar o processo de modernização da Lei do SAC, baseada em telefone atualmente, a Senacon contratou uma consultora que se baseou em métricas para construir o novo decreto; saiba o que esperar.

Por Larissa Sant’Ana

 

A discussão da necessidade de modernização da Lei do SAC já conta alguns anos. De 2017 a 2018, com pioneirismo, a plataforma Consumidor Moderno promoveu uma série de encontros e discussões dentro da iniciativa “A Era do Diálogo”, incluindo fóruns e Seminários, com representantes da SENACON, DPDC, PROCONs, Agências Reguladoras e lideranças empresariais para revisar a obsoleta lei baseada em atendimento telefônico em um momento já de acelerada migração para canais digitais. Nos diversos eventos, representantes dos órgãos reguladores e empresas discutiram a necessidade da reformulação, a falta de objetividade da norma – que há muito tempo já não solucionava o problema do consumidor – e o impacto dela nas finanças das empresas.

Agora, parece que, finalmente, a modernização chegará. Os objetivos principais são criar um melhor cenário para os consumidores e para as empresas, além de trazer resolubilidade. Para isso, a Secretaria Nacional do Consumidor está, desde dezembro de 2019, trabalhando com a consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Amélia Regina Alves. Após diversos estudos baseados em métodos científicos, os produtos foram apresentados e uma minuta do novo decreto construída. Ainda faltam alguns passos – como a discussão que está sendo realizada por uma comissão especial dentro do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, do qual participam representantes de empresas e da sociedade civil –, mas a previsão é que até o fim do ano isso esteja resolvido.

 

O QUE ESPERAR?

No País onde os conflitos consumeristas representam a segunda maior causa de judicialização, a necessidade de mudança do decreto do SAC é imediata. Luciano Timm, secretário nacional do consumidor na época do início do projeto de reformulação, explica que, agora, com o resultado da consultoria, há o conhecimento científico do problema e se sabe para onde ir baseando-se em fundamentos. “Era preciso tratar a causa-raiz das reclamações para tornar o SAC mais resolutivo e melhorar a experiência do consumidor”, afirma.

O conhecimento veio a partir de pesquisas realizadas com a sociedade, os ofertantes dos serviços regulados – com cinco áreas: aviação, telecomunicação, varejo, saúde suplementar e bancos – e os órgãos reguladores. A consultora do PNUD, Amélia Regina Alves, acredita que, por entender o que pensam e desejam os três agentes e ser construída a partir disso, a norma se torna bastante construtiva e deve simplificar a vida de todos.

 

“A modernização do decreto do SAC vem no sentido de trazer mais competência para quem oferta e para quem usa os serviços. A competência é um termo muito usado na psicologia do consumidor. Uma pessoa ou uma instituição competente é a que tem a capacidade de tomar decisões, fazer análises, apreciar e julgar tudo aquilo que esteja vinculado, nesse caso específico, às relações consumeristas”, afirma a consultora.

 

Juliana Domingues, atual secretária nacional do consumo, que acompanhou o processo desde o início como diretora do DPDC, diz que as relações mudaram. “Atualmente, você obrigar o consumidor a ligar para resolver um problema, muitas vezes, não faz sentido”, afirma. Ela completa dizendo que, além de se adequar à realidade digital, o novo decreto do SAC terá mecanismos dirigidos aos consumidores com deficiência. “Nossas políticas públicas precisam atender todos os consumidores brasileiros e estão alinhadas às melhores práticas internacionais.”

 

“Sonho que um dia toda política pública no Brasil  seja construída baseada em métricas.” | Amélia Regina Alves, consultora do Programa das Nações UNIDAS PARA o Desenvolvimento (PNUD) na Senacon

 

Assim, o que se pode esperar do novo decreto do SAC são mais opções de canais de atendimento, ainda com o telefone entre eles, e uma outra visão para o que é considerado resolutividade. A pesquisa realizada com a sociedade mostrou que 78% dos consumidores preferem que o atendimento seja feito por meios digitais, porém, 24% dos respondentes ainda veem o telefone como a melhor opção. O resultado deixa evidente a diversidade que existe no País, já que a opção pelo canal está diretamente relacionada com região, educação e outros fatores. Por outro lado, os fornecedores falam em condições de automação e multicanais.

Outro ponto que saltou aos olhos e foi considerado para a construção do decreto está relacionado com a percepção de qualidade no atual atendimento do SAC. Enquanto 75% dos reguladores entendem que são baixas a qualidade e a satisfação com o que se oferta, 71% dos fornecedores percebem os consumidores satisfeitos com o atendimento. Além disso, considerando a Escala de Concordância de Likert, de 5 pontos, a percepção de qualidade e satisfação dos usuários está em 2,85. Ou seja, as visões são completamente antagônicas, e isso é um problema.

 

75% DOS REGULADORES entendem que é baixa a qualidade dos serviços prestados pelo SAC

71% DOS FORNECEDORES percebem os consumidores satisfeitos com o atendimento do SAC

 

“A percepção da qualidade e a satisfação estão bastante sofridas.

A justificativa que usei para essa visão antagônica é dita por Kahneman, Nobel de Economia: o ofertante de serviço se superestima sempre e isso acaba gerando uma leniência com a competição. Então o que a gente buscou fazer é dar um tom de responsabilização para todos os atores. Não temos vítimas necessariamente; temos pessoas e instituições que deverão conviver em função das suas necessidades e das suas condições específicas de prestação de serviços”, explica Amélia.

Os pontos que devem ser levados em consideração para o que vai ser considerado resolutividade ainda estão sendo discutidos. A ideia é criar um index que contenha vários indicadores. Entre as possibilidades estão perda de clientes, abandono do fornecedor em detrimento da causa-raiz, um sistema de avaliação por parte dos consumidores e percentual de judicialização. “A norma está construída e cada capítulo implica uma consequência, uma contingência. A ideia é que uma norma bem-sucedida consiga produzir no contexto o resultado desejado de todos os capítulos que estão pautados”, diz a consultora.

O resultado esperado é melhorar a experiência do lado do consumidor e a retenção de clientes do lado das empresas.

 

39% dos consumidores percebem que as prestadoras já dispõem de diversos meios para atendimento

71% dos reguladores entendem que os fornecedores já usam outros meios além do SAC

 

A METODOLOGIA

Políticas públicas baseadas em métricas. Este foi o princípio utilizado para a modernização do decreto do SAC. Amélia, que é pesquisadora da área de relações de consumo, explica que trabalhou com um método científico a partir de pressupostos teóricos – buscou confirmar se modelos e teorias que existiam no exterior, principalmente nos Estados Unidos, se confirmavam no Brasil e passou a se basear neles. Dessa forma, foram feitos quatro estudos: um com os consumidores, um com os fornecedores, um com os reguladores e outro com os homólogos da Senacon na América Latina, este último como uma busca de boas práticas.

“Eu poderia me sentar à mesa com os técnicos da Senacon, construir um questionário e ter a arrogância de entender que aquilo representaria a percepção da sociedade, dos reguladores e dos fornecedores, mas isso seria um procedimento extremamente autoritário e enviesado. Então usei a metodologia científica e me baseie na teoria e no mapa de construtos que ela apresenta, além olhar para os capítulos do decreto em vigor, para gerar itens dos questionários que seriam aplicados nos três agentes: sociedade, regulador e fornecedor”, conta Amélia.

Os questionários construídos foram respondidos por 1.220 consumidores, 5 reguladores e representantes das cinco áreas de prestação de serviços analisadas. O fato de o fremework do método ter sido o mesmo possibilitou um espelhamento nos três níveis – o que gerou a percepção das visões antagônicas por parte dos agentes. Além disso, houve uma preocupação de calibrar a variável do questionário, já que tomadas de decisões seriam feitas a partir dele.

 

74% DOS FORNECEDORES acreditam que já atendem por outros meios, inclusive que dão acesso às pessoas com deficiência

 

“A metodologia construída é robusta, os dados são críveis, são confiáveis, sobretudo porque foram construídos desta maneira. Sonho que um dia toda política pública do Brasil seja construída baseada em métricas. Sabe por quê? O efeito da política pública construída assim é muito mais forte e mais importante do que quando você faz política pública que eu chamo de ‘colarinho engravatado’, quando você se senta em volta de uma mesa e define as coisas, e não é essa a realidade de quem está do outro lado”, diz Amélia.

 

“Prova disso é que as empresas já se mostram preparadas para essa multicanalidade do atendimento. Resultados dos estudos realizados mostram que 60% dos órgãos reguladores percebem que os fornecedores já disponibilizam outros meios de atendimento além do telefone e que 74% dos fornecedores entendem que já atendem por outros meios.

“Agora, com a pandemia, as empresas se viram obrigadas a acelerar a transformação digital. Quem não estava preparado para atender por canais digitais passou a estar. A modernização do SAC vem em bom momento.

 

FONTE: Consumidor Moderno